segunda-feira, 14 de dezembro de 2009


Rio - O décimo andar do tradicional Edifício Ypiranga, charmosa construção em estilo art-déco erguida nos anos 30, na Avenida Atlântica, é o endereço do escritório onde Oscar Niemeyer trabalha há mais de 30 anos. “Apelidaram o prédio de Mae West, por conta das protuberantes varandas que remetem à sensualidade da famosa atriz de Hollywood”, brinca o arquiteto, com voz doce, mas firme. E muito bem humorado.

É ali, com Mãe West na memória e a Praia de Copacabana de cenário, que Niemeyer estará amanhã, dia da comemoração dos seus 102 anos. E antes que perguntem: não, ele não pensa em se aposentar. “Venho sempre ao escritório, inclusive aos sábados”, avisa orgulhoso.

“O trabalho faz parte da própria vida. O importante é conciliar os interesses profissionais e a nossa participação na luta contra a miséria e a violência”, ensina, depois de uma das muitas reuniões num dia cheio de compromissos. Ele recebeu PG3 enquanto preparava a apresentação da maquete da reforma da Marquês de Sapucaí — a menina dos olhos de seu escritório deve ficar pronta para o Carnaval de 2011.

Niemeyer mostra em primeira mão a nova passarela do Samba. “A área dos camarotes vai ser toda redistribuída”, revela. Olho vivo, mente ativa, fôlego de sobra, ele se empolga ao falar da reforma da Sapucaí. Interrompe a explicação apenas para pedir que um dos assistentes pegue outra maquete maior, com visão geral da concentração à dispersão, para colocar em sua imponente e criativa mesa de trabalho. “Essa vai ficar mais bonita para a foto”, opina.

Na entrevista exclusiva para a coluna, ele faz uma retrospectiva da sua brilhante carreira, revela não ter medo da morte e que, apesar de todas as campanhas, não planeja parar de fumar. “Meus charutinhos são um velho hábito que cultivo com prazer”. Politizado, discorre sobre o governo Lula: e mostra-se reticente quando perguntado se está mais para Dilma ou Serra em 2010. “Por favor, me inclua fora dessa”, diz, sábio.

CENTENÁRIO

“O processo de envelhecimento varia muito de pessoa para pessoa, embora inevitável. As mudanças não ocorrem de uma hora para outra. A cabeça muda pouco, a mudança física é a mais cruel”.

BRASÍLIA

“Tive muita sorte em participar da criação de Brasília. Mas a nova capital cresceu sem controle, e as disparidades socioeconômicas aumentaram de forma intolerável. Muitos são os contrastes entre as condições dos que vivem no Plano Piloto e a daqueles que residem nas cidades-satélites”.

TRABALHOS PREFERIDOS

“Aqueles que, resolvendo o programa apresentado, despertam a surpresa arquitetural por nós procurada. O MAC de Niterói é um xodó e a reforma da Marquês de Sapucaí, que ficará pronta em 2011, também”.

HUMILDADE

“Não me sinto um artista. Sou apenas um homem voltado, a vida inteira, para o desenho e a arquitetura. Não vejo nenhuma razão para me preocupar com a permanência da minha obra. A minha preocupação é que a vida se faça boa e igual para todos”.

LULA

“No momento, o povo brasileiro tem a oportunidade de se sentir mais otimista: Lula é operário e integrado nessa luta em defesa da América Latina, que Fidel, Chávez e Morales vêm empreendendo. O Brasil, com Lula, assumiu maior importância no cenário internacional, tão difícil de avaliar”.

PRAZERES HOJE

“Meu grande e querido amigo Darcy Ribeiro já nos dizia: ‘Mulher é fundamental’.

MEDO DA MORTE

“Ninguém quer morrer. Mas a Indesejada das Gentes é uma realidade que todos um dia iremos encarar”.

PASSADO

“Minhas memórias estão todas reunidas em meu livro ‘As Curvas do Tempo’. Acho sempre bom quando podemos olhar para trás sem ressentimento”.

FUTURO

“Felizmente temos muito trabalho, como a reforma da Sapucaí. Isso impede a vida mais tranquila e mais ligada à luta política, que gostaríamos de ter”.

LIÇÃO DO SÉCULO

“A certeza de que somos pequenos demais neste estranho mundo”.

Foto: João Laet / Agência O Dia

Fonte: http://odia.terra.com.br/portal/diversaoetv/html/2009/12/oscar_niemeyer_mostra_com_exclusividade_o_projeto_da_nova_sapucai_52955.html

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