Confira o discurso histórico na íntegra:
Senhor presidente da Assembleia Geral, Vuk Jeremic,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e senhores,
Mais uma vez uma voz feminina inaugura o debate na Assembleia-Geral
das Nações Unidas. Para muitos, nós, mulheres, somos a metade do céu,
mas nós queremos ser a metade da Terra também, com igualdade de direitos
e oportunidades, livres de todas as formas de discriminação e
violência, capazes de construir a sua emancipação, e com ela contribuir
para a plena emancipação de todos.
Senhor Presidente,
Um ano após o discurso que pronunciei nesta mesma tribuna, constato
a permanência de muitos dos problemas que nos afligiam já em setembro
de 2011. Quero hoje voltar a discutir algumas destas questões cuja
solução é cada vez mais urgente.
Senhor Presidente,
A grave crise econômica, iniciada em 2008, ganhou novos e inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas vem agravando a recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países emergentes, inclusive o Brasil.
Senhor Presidente,
A grave crise econômica, iniciada em 2008, ganhou novos e inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas vem agravando a recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países emergentes, inclusive o Brasil.
As principais lideranças do mundo desenvolvido ainda não
encontraram o caminho que articula ajustes fiscais apropriados e
estímulos ao investimento e à demanda indispensáveis para interromper a
recessão e garantir o crescimento econômico.
A política monetária não pode ser a única resposta para resolver o
crescente desemprego, o aumento da pobreza e o desalento que afeta, no
mundo inteiro, as camadas mais vulneráveis da população.
Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos persistem em uma
política monetária expansionista que desequilibra as taxas de câmbio.
Com isso, os países emergentes perdem mercado devido à valorização
artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo
global.
Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial
por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas
como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa comercial
está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio.
O protecionismo e todas as formas de manipulação do comércio devem
ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e
fraudulenta.
Não haverá resposta eficaz à crise enquanto não se intensificarem
os esforços de coordenação entre os países e os organismos multilaterais
como o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Esta coordenação deve buscar
reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária para impedir o
aprofundamento da recessão, controlar a guerra cambial e reestimular a
demanda global.
Sabemos, por experiência própria, que a dívida soberana dos Estados
e a dívida bancária e financeira não serão equacionadas num quadro
recessivo, ao contrário, a recessão só agudiza esses problemas. É
urgente a construção de um amplo pacto pela retomada coordenada do
crescimento econômico global, impedindo a desesperança provocada pelo
desemprego e pela falta de oportunidades.
Senhor presidente,
Meu país tem feito a sua parte. Nos últimos anos mantivemos uma
política econômica prudente, acumulamos reservas cambiais expressivas,
reduzimos fortemente o endividamento público e com políticas sociais
inovadoras, retiramos 40 milhões de brasileiros e brasileiras da
pobreza, consolidando um amplo mercado de consumo de massa.
Fomos impactados pela crise, como todos os países. Mas, apesar da
redução conjuntural de nosso crescimento, estamos mantendo o nível de
emprego em patamares extremamente elevados. Continuamos reduzindo a
desigualdade social e aumentando significativamente a renda dos
trabalhadores. Superamos a visão incorreta que contrapõe, de um lado as
medidas de incentivo ao crescimento, e de outro, os planos de
austeridade. Esse é um falso dilema. A responsabilidade fiscal é tão
necessária quanto são imprescindíveis medidas de estímulo ao
crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um contexto
de recuperação da atividade econômica.
A história revela que a austeridade, quando exagerada e isolada do
crescimento, derrota a si mesma. A opção do Brasil tem sido a de
enfrentar, simultaneamente, esses desafios.
Ao mesmo tempo em que observamos um estrito controle das contas
públicas, aumentamos nossos investimentos em infraestrutura e educação.
Ao mesmo tempo em que controlamos a inflação, atuamos vigorosamente
nas políticas de inclusão social e combate à pobreza. E, ao mesmo tempo
em que fazemos reformas estruturais na área financeira e
previdenciária, reduzimos a carga tributária, o custo da energia e
investimos em infraestrutura, em conhecimento para produzir ciência,
tecnologia e inovação.
Há momentos em que não podemos escolher entre uma coisa ou outra.
Não há este tipo de alternativa. Há que desenvolvê-las de forma
simultânea e articulada.
Assim como em 2011, senhor presidente, o Oriente Médio e o Norte da
África continuam a ocupar um lugar central nas atenções da comunidade
internacional. Importantes movimentos sociais, com distintos signos
políticos varreram regimes despóticos e desencadearam processos de
transição cujo sentido e direção ainda não podem ser totalmente
estabelecidos.
Mas não é difícil identificar em quase todos esses movimentos um
grito de revolta contra a pobreza, o desemprego, a realidade da falta de
oportunidades e de liberdades civis, impostas por governos autoritários
a amplos setores dessas sociedades, sobretudo às populações mais
jovens.
Não é difícil, igualmente, encontrar nesses acontecimentos as
marcas de ressentimentos históricos, provocados por décadas de políticas
coloniais ou neocoloniais levadas a cabo em nome de uma ação
supostamente civilizatória. Pouco a pouco, foram ficando claros os
interesses econômicos que estavam por de trás daquelas políticas.
Hoje, assistimos consternados à evolução da gravíssima situação da
Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que
continua a ceifar vidas nesse país.
A Síria produz um drama humanitário de grandes proporções no seu
território e em seus vizinhos. Recai sobre o governo de Damasco a maior
parte da responsabilidade pelo ciclo de violência que tem vitimado
grande número de civis, sobretudo mulheres, crianças e jovens. Mas
sabemos também da responsabilidade das oposições armadas, especialmente
daquelas que contam com apoio militar e logístico de fora.
Como presidenta de um país que é pátria de milhões de descendentes
de sírios, lanço um apelo às partes em conflito para que deponham as
armas e juntem-se aos esforços de mediação do representante especial da
ONU e da Liga Árabe. Não há solução militar para a crise síria. A
diplomacia e o diálogo são não só a melhor, mas, creio, a única opção.
Ainda como presidenta de um país no qual vivem milhares e milhares
de brasileiros de confissão islâmica, registro neste plenário nosso mais
veemente repúdio à escalada de preconceito islamofóbico em países
ocidentais. O Brasil é um dos protagonistas da iniciativa generosa
“Aliança de Civilizações”, convocada originalmente pelo governo turco.
Com a mesma veemência, senhor Presidente, repudiamos também os atos de terrorismo que vitimaram diplomatas americanos na Líbia.
Senhor Presidente,
Ainda com os olhos postos no Oriente Médio, onde residem alguns dos
mais importantes desafios à paz e à segurança internacional, quero
deter-me mais uma vez na questão israelo– palestina.
Reitero minha fala de 2011, quando expressei o apoio do governo
brasileiro ao reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno das
Nações Unidas. Acrescentei, e repito agora, que apenas uma Palestina
livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz
com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política
regional.
Senhor presidente,
A comunidade internacional tem dificuldade crescente para lidar com
o acirramento dos conflitos regionais. E isto fica visível nos impasses
do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse é um dos mais graves
problemas que enfrentamos. A crise iniciada em 2008 mostrou que é
necessário reformar os mecanismos da governança econômica mundial. Na
verdade, isto até hoje não foi integralmente implementado.
As guerras e os conflitos regionais, cada vez mais intensos, as
trágicas perdas de vidas humanas e os imensos prejuízos materiais para
os povos envolvidos demonstram a imperiosa urgência da reforma
institucional da ONU e em especial de seu Conselho de Segurança.
Não podemos permitir que este Conselho seja substituído – como vem
ocorrendo – por coalizões que se formam à sua revelia, fora de seu
controle e à margem do direito internacional.
O uso da força sem autorização do Conselho, uma clara ilegalidade,
vem ganhando ares de opção aceitável. Mas, senhor Presidente,
definitivamente, não é uma opção aceitável. O recurso fácil a esse tipo
de ação é produto desse impasse que imobiliza o Conselho. Por isso, ele
precisa urgentemente ser reformado.
O Brasil sempre lutará para que prevaleçam as decisões emanadas da
ONU. Mas queremos ações legítimas, fundadas na legalidade internacional.
Com esse espírito, senhor presidente, defendi a necessidade da
“responsabilidade ao proteger” como complemento necessário da
“responsabilidade de proteger”.
Senhoras e senhores,
O multilateralismo está hoje mais forte depois da Rio+20.
Naqueles dias de junho, realizamos juntos a maior e mais
participativa conferência da história das Nações Unidas, no que se
refere ao meio ambiente, e pudemos passos firmes rumo à consolidação
histórica de um novo paradigma: crescer, incluir, proteger e preservar,
ou seja, a síntese do desenvolvimento sustentável.
Agradeço especialmente o empenho do secretário-geral Ban Ki-moon e
do embaixador Sha Zukang, que tanto colaboraram com o Brasil, antes e
durante a Conferência.
O documento final que aprovamos por consenso no Rio de Janeiro não
só preserva o legado de 1992, como constitui ponto de partida para uma
agenda de desenvolvimento sustentável para o século XXI, com foco na
erradicação da pobreza, no uso consciente dos recursos naturais e nos
padrões sustentáveis de produção e consumo.
As Nações Unidas tem pela frente uma série de tarefas delegadas
pela Conferência do Rio, somos parceiros. Menciono aqui, em particular, a
definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
A Rio+20 projetou um poderoso facho de luz sobre o futuro que
queremos. Temos de levá-lo avante. Temos a obrigação de ouvir os
repetidos alertas da ciência e da sociedade, no que se refere à mudança
do clima. Temos de encarar a mudança do clima como um dos principais
desafios às gerações presentes e futuras.
O governo brasileiro está firmemente comprometido com as metas de
controle das emissões de gás de efeito estufa e com o combate, sem
tréguas, ao desmatamento da Floresta Amazônica.
Em 2009, voluntariamente, adotamos compromissos e os transformamos
em legislação. Essas metas são particularmente ambiciosas para um país
em desenvolvimento, um país que lida com urgências de todos os tipos
para oferecer bem-estar à sua população.
Esperamos que os países historicamente mais responsáveis pela
mudança do clima, e mais dotados de meios para enfrentá-la, cumpram
também com suas obrigações perante a comunidade internacional. Outra
iniciativa das Nações Unidas que o Brasil também considera importante,
que saudamos, é o lançamento da Década de Ação pela Segurança no
Trânsito – 2011/2020. O Brasil está mobilizado nas ações de proteção à
vida, que assegurem a redução dos acidentes de trânsito, uma das
principais causas de morte entre a população jovem do mundo. Para isso,
nosso governo está desenvolvendo uma ampla campanha de conscientização
em parceria com a Federação Internacional de Automobilismo.
Senhor Presidente,
Em um cenário de desafios ambientais, crises econômicas e ameaças à
paz em diferentes pontos do mundo, o Brasil continua empenhado em
trabalhar com seus vizinhos por um ambiente de democracia, um ambiente
de paz, de prosperidade e de justiça social.
Avançamos muito na integração do espaço latino-americano e
caribenho como prioridade para nossa inserção internacional. Nossa
região é um bom exemplo para o mundo. O Estado de Direito que
conquistamos com a superação dos regimes autoritários que marcaram o
nosso continente está sendo preservado e está sendo fortalecido.
Para nós, a democracia não é um patrimônio imune a assaltos, temos
sido firmes, - Mercosul e Unasul - quando necessário, para evitar
retrocessos porque consideramos integração e democracia princípios
inseparáveis.
Reafirmo também o nosso compromisso de manter a região livre de
armas de destruição em massa. E nesse ponto, quero lembrar a existência
de imensos arsenais que, além de ameaçar toda a humanidade, agravam
tensões e prejudicam os esforços de paz.
O mundo pede, em lugar de armas, alimentos, para o bilhão de
homens, mulheres e crianças que padecem do mais cruel castigo que se
abate sobre a humanidade: a fome.
Por fim, senhor Presidente, quero referir-me a um país-irmão,
querido de todos os latino-americanos e caribenhos: Cuba. Cuba tem
avançado na atualização de seu modelo econômico. E para seguir em frente
nesse caminho, precisa do apoio de parceiros próximos e distantes.
Precisa do apoio de todos. A cooperação para o progresso de Cuba é,
no entanto, prejudicada pelo embargo econômico que há décadas golpeia
sua população. É mais do que chegada a hora de pôr fim a esse
anacronismo, condenado pela imensa maioria dos países das Nações Unidas.
Senhor presidente,
Este ano, assistimos todos aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos,
organizados brilhantemente pelo Reino Unido. Com o encerramento dos
Jogos de Londres, já começou, para o Brasil, a contagem regressiva para
as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, que serão precedidas pela Copa
do Mundo de 2014.
A cada dois anos, durante os Jogos de verão e de inverno, a
humanidade parece despertar para valores que nos deveriam inspirar
permanentemente: a tolerância, o respeito pelas diferenças, a igualdade,
a inclusão, a amizade e o entendimento, princípios que são também os
alicerces dos direitos humanos e desta Organização.
Ao inaugurar esta sexagésima sétima Assembleia Geral, proponho a
todas as nações aqui representadas que se deixem iluminar pelos ideais
da chama olímpica.
Senhoras e senhores,
O fortalecimento das Nações Unidas é extremamente necessário neste
estágio em que estamos, onde a multipolaridade abre uma nova perspectiva
histórica. É preciso trabalhar para que assim seja. Trabalhar para que,
na multipolaridade que venha a prevalecer, a cooperação predomine sobre
o confronto, o diálogo se imponha à ameaça, a solução negociada chegue
sempre antes e evite a intervenção pela força.
Reitero que nesse esforço, necessariamente coletivo, e que
pressupõe busca de consensos, cabe às Nações Unidas papel privilegiado.
Sobretudo, à medida que a Organização e suas diferentes instâncias se
tornem mais representativas, mais legítimas e, portanto, mais eficazes.
Muito obrigada!
Foto: Reuters
Fonte: G1/Globo.com